Vivências da Turma do
Sítio do Picapau
Amarelo
2012
No início do ano a
Turma era formada quase que exclusivamente de crianças que frequentaram nossa
escola no ano anterior, portanto, já me conheciam e ser meu “aluno” era como se
tivesse passado de ano, pois tinham como referência ser eu a professora das crianças
mais velhas.
Poucas tiveram
problemas para se adaptar, mas as que tiveram precisaram de muito apoio e
paciência, até a Turma exercitou a paciência porque uma delas chorava muito e causando
estranheza as outras crianças.
Passada a fase de
adaptação comecei a conhecer as crianças, a maneira como falavam ou se calavam,
suas preferências, dificuldades... Foi quando percebi que algumas crianças
mesmo já tendo frequentado nossa escola pareciam não saber o que se faz numa
escola, não conseguiam trabalhar de maneira adequada, não se fixavam nos
trabalhos, pegava um jogo e logo escolhia outro, ia para o desenho e rabiscava
qualquer coisa, corriam pela sala, no momento de arrumar a sala não ajudavam...
A sala era um
verdadeiro tumulto! Um caos! Algo precisava ser feito...
Foi quando resolvi
reorganizar o espaço da sala, coloquei placas identificando a atividade que
seria desenvolvida em cada mesa e antes de entrarem na sala fizemos uma roda na
área externa para conversarmos sobre o que podemos fazer na escola e o que
fazer para ter um dia tranquilo. Entre
outras coisas disseram que na escola tem que trabalhar e não ficar passeando
pela sala e depois têm que arrumar as coisas todos juntos. Depois de tanta
conversa fomos para sala e apresentei a nova organização e juntos combinamos
quantas crianças poderiam trabalhar juntas nas mesas, quantas
cabiam na biblioteca e na casinha... Tudo combinado, hora de trabalhar...
A partir deste dia as
coisas começaram a ficar um pouco mais tranquilas, ainda precisavam de
orientação em como utilizar os materiais, mas todas as crianças estavam
envolvidas e se alguma começava a “passear” pela sala com apenas um lembrete já
se envolvia em algum trabalho.
Meu primeiro objetivo
começa a ser atingido “ajudar a sala a se
organizar de maneira cooperativa, desenvolvendo a aprendizagem da
responsabilidade”.
Assim foi o nosso
começo de trabalho em ateliês, nome já apropriado pelas
crianças. O objetivo desta forma de organização da sala e proporcionar as
crianças um maior número de atividades para escolher, que o desejo e os
interesses das crianças sejam respeitados. Cabendo a mim encorajar e valorizar
as mais diferentes tentativas, ajudar as crianças a concluírem seus trabalhos,
fornecer ajuda técnica quando necessário, permitir que as crianças progridam no
seu ritmo, respeitar a personalidade de
cada criança.
Na nossa Turma as
crianças são livres para escolher, mas é uma liberdade situada, não podem
escolher não fazer nada. Para isso, há um quadro com o nome dos ateliês e cada
criança coloca seu nome no ateliê que deseja trabalhar, o material que
necessita está ao seu alcance para usar e depois arrumar ela mesma, sem a minha
ajuda.
Temos na sala ateliê
de recorte e colagem, jogos e quebra-cabeça, biblioteca, computador, modelagem,
pintura, carros e miniaturas, casinha, desenho e escrita. Os materiais dos
ateliês são disponibilizados e propostos para permitir às crianças fazerem o
máximo de tentativas e realizarem um trabalho criativo. Um dos ateliês bastante
procurado é o de recorte e colagem, algumas crianças trazem material de casa
para realizar seu projeto, trazem papel com o desenho do que quer fazer ou sua
ideia na cabeça.
Se disser que o ateliê estará fechado porque no dia não
poderei dar apoio quando necessário, pois estarei em outro ateliê, dizem em
protesto “Mas eu preciso tanto ir!”, “Tenho que fazer um
presente para minha mãe, minha tia...”. Crianças autônomas são assim, expressam-se
sem receio, então, entramos num acordo.
Mais um objetivo
sendo atingido “tornar as crianças cada
vez mais autônomas e responsáveis por suas escolhas, dentro de um ambiente
cooperativo e de livre expressão”.
Durante
o trabalho em ateliês observei que estava muito difícil para as crianças
perceberem o espaço determinado da casinha apenas com uma marca no chão
precisavam de um limite mais visível. Propus a elas que colocássemos
um pano na casinha que seria "a parede" da casinha e para
que ele ficasse mais bonito poderíamos fazer desenhos para enfeitá-lo.
Que
desenho fazer? Várias ideias foram dadas até que o Neder e a
Duda disseram: “Que tal juntar as ideias?” E assim foi feito....
Em um
dos panos teria uma casa que seria o Sítio do Picapau Amarelo, a
Emília, Dona Benta, Saci, Cuca, Anjinho da asa
quebrada e borboletas; no outro pano teria palhaço,
circo, Visconde, árvore e borboletas. Algumas
crianças se propuseram a desenhar, outras ficaram responsáveis por pintar com
guache. E o resultado, como elas definiram...
“Ficou bonito e
chique.
Todo mundo ajudou um
pouco, fazendo os desenhos e
depois pintando...”
Este
foi um dos primeiros trabalhos realizados em grupo.
A roda da conversa é mais um dos momentos da sala
que as crianças exprimem livremente seus desejos, sentimentos, falam dos
acontecimentos da suas vidas em casa ou na escola. Nesse momento escolhemos as
novidades que serão coladas na sala, no nosso livro “Histórias que contamos na
roda” e no caderno de lição. Este é o nosso jeito de começar a aprender a ler e
escrever. Em roda, também falam sobre diferentes temas que podem virar projeto
de trabalho como os Dinossauros e Cobras, ou apenas algo para pesquisarmos
rapidamente. Temos até um livro com reportagens sobre os assuntos abordados em
roda como abelhas, metamorfose das borboletas, sapos... E tudo que é
significativo para a Turma fica registrado no Livro da Vida, ele é a memória escrita da nossa sala.
É na roda também que
elaboramos textos coletivos que viram livros com ilustração das crianças,
estamos terminando o Livro de Parlendas. Elas adoram parlendas, muitas vezes,
durante o trabalho em ateliês ouço crianças cantarolando “Hoje é domingo...”. Este
livro vai atravessar o oceano Atlântico, uma cópia dele será oferecida às
crianças de Portugal, juntamente com desenhos e CD do clipe “Vou tomar banho”. Estarei
em Portugal para participar do 1º
Seminário Internacional “Educação em Portugal: Opções e Práticas”.
Na Turma nenhuma conversa,
trabalho passa despercebido, tem sempre algo a mais para inventar...
Uma
conversa sobre alimentação saudável e alguém já fala “Podemos fazer um
piquenique só de alimentos saudáveis.”, e outra criança
completa “Mas
não pode ser aqui dentro da sala, piquenique é num lugar aberto.” e mais outra “Pode ser lá no parque.”.
Levo
para sala livros para que as crianças tenham repertório de possibilidades ao
criar usando sucatas no ateliê de recorte e colagem, assim como nos ateliês de
desenho e modelagem. Pois ninguém aprende do nada, sem modelo, mas não o modelo
igual para todos, mas sim a partir de um modelo criar o seu próprio. E lá está
o Neder olhando e diz “Quero
fazer um carro igual a este, mas não de caixa, quero de madeira!” (Ai, ai, ai, eu não disse
que o livro não tinha objetivo de levar as crianças a fazerem igual à proposta
do livro, que modelo não é para fazer igual?!). E vamos nós para mais um
projeto de trabalho: piquenique mais construção de um carro de madeira que o
Neder concordou em fazermos para a turma, mas a Duda já propôs “Pode ser dois: um de
menino e outro de menina”. Assim é a Turma do Sítio
do Picapau Amarelo.
Olho para as crianças e vejo um pouquinho de cada
mascote:
Criança Visconde: sabe tudo sobre tudo,
sempre disposto a saber mais.
Criança Emília: tagarela, quer falar antes de todos e sempre tem
razão.
Criança Saci: sempre aprontando uma traquinagem.
Criança Cuca: fica com raiva e sai gritando e batendo com suas
poções mágicas.
Mas
como ninguém é uma única coisa o tempo todo, cada criança tem um pouquinho de
cada mascote e, é claro a Professora
também!
Meu agradecimento a todas as crianças
que sempre acrescentam algo ao meu fazer pedagógico.
Aos pais pelo carinho, respeito e confiança.
Prof. Roseane D. Gomes
(Relatório de grupo entregue aos pais na RFE de out)